Pra começar, vamos esclarecer de onde saíram essas lendas de zumbis. A origem do mito vem do Haiti e de outras ilhas do Caribe que praticam o voodoo. O voodoo é um misto de elementos ritualísticos africanos com pitadas de cristianismo e mais uma dose de candomblé. Os "sacerdotes" dessa "religião" se chamam bokos e esses caras é quem foram os responsáveis pelos primeiros zumbis: eles criavam uma substância porosa feita à base de neurotoxinas de intestinos de baiacu (aquele peixe espinhudo que infla). Os bokos injetavam essas neurotoxinas em pessoas normais e um tempo depois elas sofriam de paralisia, imobilidade e perda de consciência, levando a uma morte aparente. Depois que o "defunto" ressuscitava no cemitério, o boko que o envenenou ficava lá do lado da cova esperando seu novo empregado: ele convencia os "mortos-vivos" de que ele havia o ressuscitado e aí nessa lábia o sujeito acreditava e virava escravo do boko. Essas pessoas "reanimadas" viviam trabalhando em estado catatônico no plantio do boko até caírem de podres. Outra razão que nos leva a crer que o mito nasceu no Haiti, foi que esse país foi o primeiro a abolir a escravidão nas Américas, em 1794. Com a falta de escravos os bokos "reanimavam esses cadáveres" pra trabalhar no plantio, substituindo os escravos. Houve uma campanha nos anos 40 pra proibir a prática de vodoo no Haiti, mas a "religião" foi reconhecida oficialmente em 1987.
Bom, agora que já explicamos a origem do mito, vamos aos seus efeitos colaterais. O primeiro filme de zumbi foi feito em 1932 e se chamava "Zumbi Branco" ("White Zombie", Victor Halperin). Obviamente, a história se passava no Haiti e abordava todo o mundo do voodoo como plano de fundo da história principal: um homem rico ouve sobre as lendas e vai até o Haiti pedir pra um sacerdote boko ressuscitar a sua mulher, mas ela acaba voltando como uma escrava zumbi. A grande estrela do filme era Bela Lugosi, o húngaro que interpretou o Drácula mais famoso da história do Cinema em 1931 com "Drácula" ("Dracula", Tod Browning) que teve seu roteiro baseado na obra original de Bram Stoker. "Zumbi Branco" teve lá o seu sucesso, mas a influência dele no Cinema não foi tão bem representada até a década de 40, com a chegada de Val Lewton.
Val Lewton era produtor. O cara fez 9 filmes de terror na sua carreira que são todos uma grande aula de Cinema. Seu primeiro filme de zumbi, "A Morta-Viva" ("I Walked With A Zombie", Jacques Torneur - 1943) já tratava a "zumbificação" como uma doença e não uma maldição vodoo. O sucesso desse filme o possibilitou fazer mais dois filmes de zumbi em 1945: "O Túmulo Vazio" ("The Body Snatcher", Robert Wise) estrelado pelo lendário ator de filmes de terror, Boris Karloff, junto com Bela Lugosi novamente; e "Ilha dos Mortos" ("Isle of the Dead", Mark Robson) também com Boris Karloff. Val Lewton encerrou sua carreira de produtor em 1951. Martin Scorsese restaurou alguns de seus filmes e produziu um documentário sobre ele em 2008.
Outros filmes de zumbi apareceram depois, mas nada em especial... Até 1968.
Em 1968, foi lançado um filme de um sujeito novo: um cara chamado George A. Romero.
George Andrew Romero dirigiu em 1968 aquilo que seria a revolução do universo cinematográfico dos zumbis. "A Noite dos Mortos-Vivos" ("Night of the Living Dead") foi o primeiro filme que estabeleceu o conceito de apocalipse zumbi, que é o tema de praticamente TODAS as obras subsequentes de zumbi pro resto da eternidade; seja filme, livro, jogo ou série de TV. No filme, dois irmãos vão num cemitério deixar flores aos seus falecidos pais, quando um deles é atacado por um zumbi. Desesperada, a irmã consegue escapar e foge para uma casa abandonada no meio do mato, como uma casa de fazenda. Lá dentro já tem um sujeito armado, fortificando a casa contra "aquelas coisas". Mais tarde eles descobrem um casal adolescente e uma família de pai, mãe e filha no porão, escondidos. Há uma cena em que o grupo de sobreviventes se reúne em volta da TV para o noticiário de última hora: o repórter informa que essas criaturas estão andando sem vida e foram reanimadas por conta de uma radiação proveniente de um meteorito que caiu do céu em território Norte-Americano e já tinha se espalhado por toda a América. Esse filme também estabeleceu que quando se trata de um apocalipse zumbi, todo mundo tem que morrer até o final do filme, hehehe.
O próximo grande filme de zumbi de George Romermo demorou 10 anos pra sair. Em 1978 ele dirigiu "Zumbi - O Despertar dos Mortos" ("Dawn of the Dead").
Esse filme que trouxe a frase que marcou o cinema zumbi para sempre: "Quando não houver mais espaço no Inferno, os mortos andarão na Terra." ("When there's no more room in Hell, the dead will walk the Earth"). "Dawn of the dead" foi o filme que consagrou Tom Savini como um dos maiores maquiadores de efeitos especiais do Cinema. Ele até foi nomeado para o prêmio de melhores efeitos especiais em 1980 por causa desse filme. A partir desse filme, George Romero desembestou a fazer filmes de zumbi e ficou conhecido como o grande gênio do gênero. Em 1985 ele fez "Dia dos Mortos" ("Day of the Dead"), "Terra dos Mortos" ("Land of the Dead") em 2005, "Diário dos Mortos" em 2007 e "Ilha dos Mortos" ("Survival of the Dead") em 2009. Vale citar também que "Night of the Living Dead" e "Dawn of the Dead" tiveram remakes feitos em 1990 e 2004, por Tom Savini e Zack Snyder, respectivamente.
George Romero rodeado de zumbis no set de "Dawn of the Dead" em 1978 |
Deixando tio George de lado um pouco, vamos falar de outra grande figura do cinema zumbi. Esse cara aqui:
Gregory Nicotero, esse é o cara!! Mais conhecido como Greg Nicotero, o cara é o maior nome em termos de maquiagem de efeitos especiais da atualidade. Greg começou trabalhando como assistente de Tom Savini em "Dawn of the Dead" (o de 1985) e hoje ele já assinou o departamento de maquiagem em mais de 150 filmes!!!! Greg fez a maquiagem de praticamente todos os filmes de Quentin Tarantino (de Kill Bill pra frente), todos os filmes de George Romero (de Land of the Dead pra frente), fez também a maquiagem de uma penca de filmes de terror desde a década de 90 até hoje e atualmente ele que coordena a equipe de efeitos especiais da série The Walking Dead.
Bom, agora que já falamos sobre como surgiram os grandes nomes do cinema zumbi, vamos falar de como anda o cinema zumbi hoje em dia. Gostaria de dar destaque para 4 filmes produzidos recentemente: "Todo mundo quase-morto" ("Shaun of the Dead", Edgar Wright - 2004), "Juan dos Mortos" ("Juan de Los Muertos", Alejandro Brugués - 2011) "REC" ("REC", Jaume Balageró & Paco Plaza - 2007) e claro, "Zumbilândia" ("Zombieland", Ruben Fleischer - 2009).
Como eu já havia falado antes, depois de "Night of the Living" todo filme de zumbi passou a adotar o conceito de "apocalipse zumbi", ou seja, praticamente eles viraram uma receita de bolo. O destaque se dá justamente pelo diferencial que esse bolo tem, seja cobertura, recheio, camadas, etc.
"Todo Mundo Quase Morto" ("Shaun of the Dead")
"Shaun of the Dead" é parecido com os filmes da série "Todo Mundo em Pânico" "(Scary Movie", Keene Ivory Wayans - 2000) no sentido em que ele brinca com os clichês para fazer um filme de comédia não tão escrachado. Esse filme segue a tradicional receita de bolo dos filmes de apocalipse zumbi, mas de uma forma tão exagerada que, bom, fica engraçado. Shaun é um sujeito que trabalha numa loja de eletrônicos, leva uma vida normal e mora com um amigo vagabundo que não contribui em nada pra pagar o aluguel do apartamento que eles dividem. Ao mesmo tempo, Shaun fica tentando reconquistar a sua ex-mulher, recentemente divorciada dele. No meio dessa vida pacata, brota da noite pro dia (como esperado de um apocalipse zumbi) uma insurreição na Inglaterra, local onde se passa o filme. Eles encaram a insurreição com pânico, claro, mas não levam a sério e acabam se utilizando de métodos zoados pra sobreviver. O final do filme também engraçado e surpreendente, até porque o mundo sobrevive ao apocalipse zumbi e volta a ter a vida normal e pacata. #hue
"Juan dos Mortos" ("Juan de los Muertos")
Esse filme é cubano e se passa por lá mesmo, na Cuba socialista. O diferencial desse apocalipse zumbi é a questão política. Tal como "Shaun of the Dead", também é um apocalipse zumbi de comédia com uma dose de escracho. Juan é um sujeito comum, desempregado, que vive de missões e trampinhos pra poder sobreviver, além de ficar o tempo todo (como todo bom cubano, creio eu) fazendo piadas de mau gosto com os Estados Unidos. Quando a insurreição começa, Juan vê uma maneira de se aproveitar disso: ele descobre que é bom em matar zumbis e lança uma empresa de matança, a própria JUAN DE LOS MUERTOS: Matamos seus entes queridos e executamos a faxina depois. E claro, cobra por isso, o que dá a controvérsia política do filme: o tempo todo ele fica rebaixando os EUA e enaltecendo o regime de Fidel, mas no fim ele acaba cedendo e adota o capitalismo pra vida por cobrar para matar zumbis.
"REC" ("REC")
Fugindo um pouco de Cuba, vamos para Espanha, onde foi produzido esse filme. "REC" é um filme todo em primeira pessoa (câmera subjetiva, POV, etc) que conta a aventura de uma noite de um casal de jornalistas (uma repórter e um cinegrafista) que foram gravar um VT sobre os bombeiros de Madrid. Na calada da noite, rola um chamado de emergência e lá vão eles acompanhar os bombeiros. A merda começa a acontecer quando o Ministério da Saúde isola o prédio biologicamente para uma quarentena. O casal fica preso no prédio com a câmera e uma quantidade absurda de zumbis. O diferencial absurdo de "REC" é a grande imersão que o filme te proporciona. Por ser todo em primeira pessoa, você se sente no meio daquele caos todo, de todo aquele pavor e desespero. Diferente de muito
filme "de terror" de hoje em dia, esse filme é realmente um filme que dá medo. De verdade.
"Zumbilândia" ("Zombieland")
O sucesso de "Zombieland" se deu talvez pela narração em primeira pessoa de Columbus (personagem do filme). O sucesso absurdo da indústria cultural que aborda o tema de zumbis quer te colocar cada vez mais dentro de um apocalipse zumbi verdadeiro, e essa foi a ideia desse filme, só que mais light. Columbus é um adolescente normal, que não viu o apocalipse zumbi começar porque estava ocupado jogando World of Warcraft. Sozinho no mundo dominado por zumbis, ele começa a escrever o seu próprio guia de sobrevivência, com regras baseadas na sua experiência de sobrevivente. No meio da sua jornada até a casa de seus pais, pra ver se eles estão vivos, ele conhece Talhalasse, um caipira que caça zumbis por diversão e também duas irmãs: Wichita e Little Rock. A repercussão desse filme foi tão grande que ele chegou a ter um piloto pra virar série produzida pela Amazon, mas que foi mal recebido pelos fãs e por isso a produção foi cancelada. Também né, ao invés de aproveitar o universo cômico de "Zumbilândia" e introduzir novos personagens, eles preferiram manter os personagens mas trocando os atores. No mundo do Cinema isso é um crime, isso não se faz. Fim de papo.
É. Agora que já tratamos sobre a origem do mito, a trajetória dos grandes nomes dessa linhagem e dos grandes filmes atuais de zumbi, vamos falar sobre um outro sujeito muito importante para esse universo como um todo, seja sobre filmes, jogos, séries e etc. Esse cara aqui, ele sim manja do assunto:
O grande escritor e zumbiólogo (você não leu errado, o cara estuda isso à sério) Max Brooks, autor da bíblia "The Zombie Survival Guide" ("O Guia de Sobrevivência Zumbi") e do best seller "World War Z - An oral story of the zombie war" ("Guerra Mundial Z"). O Guia de Sobrevivência Zumbi foi bestseller do New York Times por várias semanas seguidas, sem sair do topo. Esse livro reúne da teoria a prática de como sobreviver um apocalipse zumbi. Nele você encontra um apanhado dos estudos mais recentes sobre a origem do vírus Solanum (que causa a zumbificação), você encontra endereços de fortalezas anti-zumbis, catálogos de armas brancas e de fogo específicas para lidar com mortos-vivos, veículos, dicas e truques para eliminar os zumbis e o mais impressionante: relatos de ataques no mundo todo e até no Brasil. Os ataques no Brasil ocorreram em 1980 em vilarejos indígenas próximos as cidades de Maricela e Juruti, no norte do país.
Capa americana do Guia de Sobrevivência Zumbi |
Guerra Mundial Z será lançado nos cinemas ainda esse ano, num longa metragem estrelado por Brad Pitt e dirigido por Marc Foster, mesmo diretor de "007 - Quantum of Solace" ("007 - Quantum of Solace - 2008) e "O Caçador de Pipas" ("The Kite Runner" - 2007).
Pra encerrar, deixa eu esclarecer o porque de eu ter falado no início do post sobre os "zumbis de verdade". Tal como aconteceu com os vampiros e lobisomens em "Crepúsculo" ("Twillight" - 2008), em que essas criaturas das trevas tiveram sua estética e história completamente distorcida e difamada, os zumbis não escaparam. Vampiros (desde Bram Stoker) sempre foram criaturas das trevas, sem qualquer tipo de sentimento a não ser ódio, luxúria e egoísmo. Eles viviam por eles mesmo e que se dane o resto do mundo, só queriam saber de acumular riquezas e chupar sangue alheio. O lobisomens era também criaturas das trevas que viviam consumindo carne humana pra se alimentar e também dane-se o mundo ao redor. Em suma, não havia amor na vida dessas criaturas.
Em "Meu Namorado é um Zumbi" ("Warm Bodies", Johnatan Levine - 2013) um zumbi tem sentimentos, ele respira, conversa e o pior de tudo: ele se apaixona por uma garota normal (normal, tipo, não-zumbi) e começa a se aproximar dela. Mas não para por aí: a cura se dá através do amor. Quanto mais zumbis se apaixonam e tem batimentos cardíacos acelerados (como se coração de zumbi batesse, né) o corpo reage de uma forma a eliminar o vírus e curar os zumbis, transformando-os de volta em humanos. O zumbi também é bonito, ela chama a atenção da garota pela sua beleza sendo que, cazzo, ele é um corpo em decomposição, ele devia estar cheio de cicatriz, pele podre e o suas partes já eram pra ter caído faz tempo também. É revoltante a forma de como esses escritores e cineastas deformaram o mito a ponto de fazer o Inferno parecer uma creche e botar vampiros, lobisomens e zumbis na capa da Capricho.
Gostaria de pedir desculpas por terminar de uma forma tão desanimadora, mas eu precisava falar desse filme pra fechar o ciclo de z-movies aqui do post. Segunda-feira tem mais Cinema pra você e pra toda gente linda da internet :)
O FEIPA CINE fica por aqui, até semana que vem o/
Nenhum comentário:
Postar um comentário