segunda-feira, 20 de maio de 2013

FEIPA CINE: "Quando não houver mais espaço no Inferno, os mortos andarão sobre a Terra" - Um apanhado especial sobre filmes de zumbi


Olá pessoal! Aproveitando que segunda-feira todo mundo acorda meio zumbi, vamos aproveitar o estado de vocês pra falar justamente sobre isso: filmes de zumbi... zumbi de verdade, por favor.


Pra começar, vamos esclarecer de onde saíram essas lendas de zumbis. A origem do mito vem do Haiti e de outras ilhas do Caribe que praticam o voodoo. O voodoo é um misto de elementos ritualísticos africanos com pitadas de cristianismo e mais uma dose de candomblé. Os "sacerdotes" dessa "religião" se chamam bokos e esses caras é quem foram os responsáveis pelos primeiros zumbis: eles criavam uma substância porosa feita à base de neurotoxinas de intestinos de baiacu (aquele peixe espinhudo que infla). Os bokos injetavam essas neurotoxinas em pessoas normais e um tempo depois elas sofriam de paralisia, imobilidade e perda de consciência, levando a uma morte aparente. Depois que o "defunto" ressuscitava no cemitério, o boko que o envenenou ficava lá do lado da cova esperando seu novo empregado: ele convencia os "mortos-vivos" de que ele havia o ressuscitado e aí nessa lábia o sujeito acreditava e virava escravo do boko. Essas pessoas "reanimadas" viviam trabalhando em estado catatônico no plantio do boko até caírem de podres. Outra razão que nos leva a crer que o mito nasceu no Haiti, foi que esse país foi o primeiro a abolir a escravidão nas Américas, em 1794. Com a falta de escravos os bokos "reanimavam esses cadáveres" pra trabalhar no plantio, substituindo os escravos. Houve uma campanha nos anos 40 pra proibir a prática de vodoo no Haiti, mas a "religião" foi reconhecida oficialmente em 1987.

Bom, agora que já explicamos a origem do mito, vamos aos seus efeitos colaterais. O primeiro filme de zumbi foi feito em 1932 e se chamava "Zumbi Branco" ("White Zombie", Victor Halperin). Obviamente, a história se passava no Haiti e abordava todo o mundo do voodoo como plano de fundo da história principal: um homem rico ouve sobre as lendas e vai até o Haiti pedir pra um sacerdote boko ressuscitar a sua mulher, mas ela acaba voltando como uma escrava zumbi. A grande estrela do filme era Bela Lugosi, o húngaro que interpretou o Drácula mais famoso da história do Cinema em 1931 com "Drácula" ("Dracula", Tod Browning) que teve seu roteiro baseado na obra original de Bram Stoker. "Zumbi Branco" teve lá o seu sucesso, mas a influência dele no Cinema não foi tão bem representada até a década de 40, com a chegada de Val Lewton



Val Lewton era produtor. O cara fez 9 filmes de terror na sua carreira que são todos uma grande aula de Cinema. Seu primeiro filme de zumbi, "A Morta-Viva" ("I Walked With A Zombie", Jacques Torneur - 1943) já tratava a "zumbificação" como uma doença e não uma maldição vodoo. O sucesso desse filme o possibilitou fazer mais dois filmes de zumbi em 1945: "O Túmulo Vazio" ("The Body Snatcher", Robert Wise) estrelado pelo lendário ator de filmes de terror, Boris Karloff, junto com Bela Lugosi novamente; e "Ilha dos Mortos" ("Isle of the Dead", Mark Robson) também com Boris Karloff. Val Lewton encerrou sua carreira de produtor em 1951. Martin Scorsese restaurou alguns de seus filmes e produziu um documentário sobre ele em 2008.

Outros filmes de zumbi apareceram depois, mas nada em especial... Até 1968.
Em 1968, foi lançado um filme de um sujeito novo: um cara chamado George A. Romero.



George Andrew Romero dirigiu em 1968 aquilo que seria a revolução do universo cinematográfico dos zumbis. "A Noite dos Mortos-Vivos" ("Night of the Living Dead") foi o primeiro filme que estabeleceu o conceito de apocalipse zumbi, que é o tema de praticamente TODAS as obras subsequentes de zumbi pro resto da eternidade; seja filme, livro, jogo ou série de TV. No filme, dois irmãos vão num cemitério deixar flores aos seus falecidos pais, quando um deles é atacado por um zumbi. Desesperada, a irmã consegue escapar e foge para uma casa abandonada no meio do mato, como uma casa de fazenda. Lá dentro já tem um sujeito armado, fortificando a casa contra "aquelas coisas". Mais tarde eles descobrem um casal adolescente e uma família de pai, mãe e filha no porão, escondidos. Há uma cena em que o grupo de sobreviventes se reúne em volta da TV para o noticiário de última hora: o repórter informa que essas criaturas estão andando sem vida e foram reanimadas por conta de uma radiação proveniente de um meteorito que caiu do céu em território Norte-Americano e já tinha se espalhado por toda a América. Esse filme também estabeleceu que quando se trata de um apocalipse zumbi, todo mundo tem que morrer até o final do filme, hehehe.

O próximo grande filme de zumbi de George Romermo demorou 10 anos pra sair. Em 1978 ele dirigiu "Zumbi - O Despertar dos Mortos" ("Dawn of the Dead"). 



Esse filme que trouxe a frase que marcou o cinema zumbi para sempre: "Quando não houver mais espaço no Inferno, os mortos andarão na Terra." ("When there's no more room in Hell, the dead will walk the Earth"). "Dawn of the dead" foi o filme que consagrou Tom Savini como um dos maiores maquiadores de efeitos especiais do Cinema. Ele até foi nomeado para o prêmio de melhores efeitos especiais em 1980 por causa desse filme. A partir desse filme, George Romero desembestou a fazer filmes de zumbi e ficou conhecido como o grande gênio do gênero. Em 1985 ele fez "Dia dos Mortos" ("Day of the Dead"), "Terra dos Mortos" ("Land of the Dead") em 2005, "Diário dos Mortos" em 2007 e "Ilha dos Mortos" ("Survival of the Dead") em 2009. Vale citar também que "Night of the Living Dead" e "Dawn of the Dead" tiveram remakes feitos em 1990 e 2004, por Tom Savini e Zack Snyder, respectivamente.

George Romero rodeado de zumbis no set de "Dawn of the Dead" em 1978
Deixando tio George de lado um pouco, vamos falar de outra grande figura do cinema zumbi. Esse cara aqui: 

Gregory Nicotero, esse é o cara!! Mais conhecido como Greg Nicotero, o cara é o maior nome em termos de maquiagem de efeitos especiais da atualidade. Greg começou trabalhando como assistente de Tom Savini em "Dawn of the Dead" (o de 1985) e hoje ele já assinou o departamento de maquiagem em mais de 150 filmes!!!! Greg fez a maquiagem de praticamente todos os filmes de Quentin Tarantino (de Kill Bill pra frente), todos os filmes de George Romero (de Land of the Dead  pra frente), fez também a maquiagem de uma penca de filmes de terror desde a década de 90 até hoje e atualmente ele que coordena a equipe de efeitos especiais da série The Walking Dead

Bom, agora que já falamos sobre como surgiram os grandes nomes do cinema zumbi, vamos falar de como anda o cinema zumbi hoje em dia. Gostaria de dar destaque para 4 filmes produzidos recentemente: "Todo mundo quase-morto" ("Shaun of the Dead", Edgar Wright - 2004), "Juan dos Mortos" ("Juan de Los Muertos", Alejandro Brugués - 2011) "REC" ("REC", Jaume Balageró & Paco Plaza - 2007) e claro, "Zumbilândia" ("Zombieland", Ruben Fleischer - 2009).

Como eu já havia falado antes, depois de "Night of the Living" todo filme de zumbi passou a adotar o conceito de "apocalipse zumbi", ou seja, praticamente eles viraram uma receita de bolo. O destaque se dá justamente pelo diferencial que esse bolo tem, seja cobertura, recheio, camadas, etc.

"Todo Mundo Quase Morto" ("Shaun of the Dead")


"Shaun of the Dead" é parecido com os filmes da série "Todo Mundo em Pânico" "(Scary Movie", Keene Ivory Wayans - 2000) no sentido em que ele brinca com os clichês para fazer um filme de comédia não tão escrachado. Esse filme segue a tradicional receita de bolo dos filmes de apocalipse zumbi, mas de uma forma tão exagerada que, bom, fica engraçado. Shaun é um sujeito que trabalha numa loja de eletrônicos, leva uma vida normal e mora com um amigo vagabundo que não contribui em nada pra pagar o aluguel do apartamento que eles dividem. Ao mesmo tempo, Shaun fica tentando reconquistar a sua ex-mulher, recentemente divorciada dele. No meio dessa vida pacata, brota da noite pro dia (como esperado de um apocalipse zumbi) uma insurreição na Inglaterra, local onde se passa o filme. Eles encaram a insurreição com pânico, claro, mas não levam a sério e acabam se utilizando de métodos zoados pra sobreviver. O final do filme também engraçado e surpreendente, até porque o mundo sobrevive ao apocalipse zumbi e volta a ter a vida normal e pacata. #hue

"Juan dos Mortos" ("Juan de los Muertos")


Esse filme é cubano e se passa por lá mesmo, na Cuba socialista. O diferencial desse apocalipse zumbi é a questão política. Tal como "Shaun of the Dead", também é um apocalipse zumbi de comédia com uma dose de escracho. Juan é um sujeito comum, desempregado, que vive de missões e trampinhos pra poder sobreviver, além de ficar o tempo todo (como todo bom cubano, creio eu) fazendo piadas de mau gosto com os Estados Unidos. Quando a insurreição começa, Juan vê uma maneira de se aproveitar disso: ele descobre que é bom em matar zumbis e lança uma empresa de matança, a própria JUAN DE LOS MUERTOS: Matamos seus entes queridos e executamos a faxina depois. E claro, cobra por isso, o que dá a controvérsia política do filme: o tempo todo ele fica rebaixando os EUA e enaltecendo o regime de Fidel, mas no fim ele acaba cedendo e adota o capitalismo pra vida por cobrar para matar zumbis.
"REC" ("REC")


Fugindo um pouco de Cuba, vamos para Espanha, onde foi produzido esse filme. "REC" é um filme todo em primeira pessoa (câmera subjetiva, POV, etc) que conta a aventura de uma noite de um casal de jornalistas (uma repórter e um cinegrafista) que foram gravar um VT sobre os bombeiros de Madrid. Na calada da noite, rola um chamado de emergência e lá vão eles acompanhar os bombeiros. A merda começa a acontecer quando o Ministério da Saúde isola o prédio biologicamente para uma quarentena. O casal fica preso no prédio com a câmera e uma quantidade absurda de zumbis. O diferencial absurdo de "REC" é a grande imersão que o filme te proporciona. Por ser todo em primeira pessoa, você se sente no meio daquele caos todo, de todo aquele pavor e desespero. Diferente de muito 
filme "de terror" de hoje em dia, esse filme é realmente um filme que dá medo. De verdade.

"Zumbilândia" ("Zombieland")


O sucesso de "Zombieland" se deu talvez pela narração em primeira pessoa de Columbus (personagem do filme). O sucesso absurdo da indústria cultural que aborda o tema de zumbis quer te colocar cada vez mais dentro de um apocalipse zumbi verdadeiro, e essa foi a ideia desse filme, só que mais light. Columbus é um adolescente normal, que não viu o apocalipse zumbi começar porque estava ocupado jogando World of Warcraft. Sozinho no mundo dominado por zumbis, ele começa a escrever o seu próprio guia de sobrevivência, com regras baseadas na sua experiência de sobrevivente. No meio da sua jornada até a casa de seus pais, pra ver se eles estão vivos, ele conhece Talhalasse, um caipira que caça zumbis por diversão e também duas irmãs: Wichita e Little Rock. A repercussão desse filme foi tão grande que ele chegou a ter um piloto pra virar série produzida pela Amazon, mas que foi mal recebido pelos fãs e por isso a produção foi cancelada. Também né, ao invés de aproveitar o universo cômico de "Zumbilândia" e introduzir novos personagens, eles preferiram manter os personagens mas trocando os atores. No mundo do Cinema isso é um crime, isso não se faz. Fim de papo.

É. Agora que já tratamos sobre a origem do mito, a trajetória dos grandes nomes dessa linhagem e dos grandes filmes atuais de zumbi, vamos falar sobre um outro sujeito muito importante para esse universo como um todo, seja sobre filmes, jogos, séries e etc. Esse cara aqui, ele sim manja do assunto:


O grande escritor e zumbiólogo (você não leu errado, o cara estuda isso à sério) Max Brooks, autor da bíblia "The Zombie Survival Guide" ("O Guia de Sobrevivência Zumbi") e do best seller "World War Z - An oral story of the zombie war" ("Guerra Mundial Z").  O Guia de Sobrevivência Zumbi foi bestseller do New York Times por várias semanas seguidas, sem sair do topo. Esse livro reúne da teoria a prática de como sobreviver um apocalipse zumbi. Nele você encontra um apanhado dos estudos mais recentes sobre a origem do vírus Solanum (que causa a zumbificação), você encontra endereços de fortalezas anti-zumbis, catálogos de armas brancas e de fogo específicas para lidar com mortos-vivos, veículos, dicas e truques para eliminar os zumbis e o mais impressionante: relatos de ataques no mundo todo e até no Brasil. Os ataques no Brasil ocorreram em 1980 em vilarejos indígenas próximos as cidades de Maricela e Juruti, no norte do país. 

Capa americana do Guia de Sobrevivência Zumbi
Guerra Mundial Z, esse foi um livro de ficção também de Max Brooks, sobre relatos orais, arquivos de conversas transcritos e coletados pelo autor num livro que conta os acontecimentos da terceira guerra mundial, que seria da humanidade contra os zumbis.


Guerra Mundial Z será lançado nos cinemas ainda esse ano, num longa metragem estrelado por Brad Pitt e dirigido por Marc Foster, mesmo diretor de "007 - Quantum of Solace" ("007 - Quantum of Solace - 2008) e "O Caçador de Pipas" ("The Kite Runner" - 2007). 

Pra encerrar, deixa eu esclarecer o porque de eu ter falado no início do post sobre os "zumbis de verdade". Tal como aconteceu com os vampiros e lobisomens em "Crepúsculo" ("Twillight" - 2008), em que essas criaturas das trevas tiveram sua estética e história completamente distorcida e difamada, os zumbis não escaparam. Vampiros (desde Bram Stoker) sempre foram criaturas das trevas, sem qualquer tipo de sentimento a não ser ódio, luxúria e egoísmo. Eles viviam por eles mesmo e que se dane o resto do mundo, só queriam saber de acumular riquezas e chupar sangue alheio. O lobisomens era também criaturas das trevas que viviam consumindo carne humana pra se alimentar e também dane-se o mundo ao redor. Em suma, não havia amor na vida dessas criaturas.


Em "Meu Namorado é um Zumbi" ("Warm Bodies", Johnatan Levine - 2013) um zumbi tem sentimentos, ele respira, conversa e o pior de tudo: ele se apaixona por uma garota normal (normal, tipo, não-zumbi) e começa a se aproximar dela. Mas não para por aí: a cura se dá através do amor. Quanto mais zumbis se apaixonam e tem batimentos cardíacos acelerados (como se coração de zumbi batesse, né) o corpo reage de uma forma a eliminar o vírus e curar os zumbis, transformando-os de volta em humanos. O zumbi também é bonito, ela chama a atenção da garota pela sua beleza sendo que, cazzo, ele é um corpo em decomposição, ele devia estar cheio de cicatriz, pele podre e o suas partes já eram pra ter caído faz tempo também. É revoltante a forma de como esses escritores e cineastas deformaram o mito a ponto de fazer o Inferno parecer uma creche e botar vampiros, lobisomens e zumbis na capa da Capricho.

Gostaria de pedir desculpas por terminar de uma forma tão desanimadora, mas eu precisava falar desse filme pra fechar o ciclo de z-movies aqui do post. Segunda-feira tem mais Cinema pra você e pra toda gente linda da internet :)

O FEIPA CINE fica por aqui, até semana que vem o/

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