terça-feira, 21 de maio de 2013

Histórias de Fadas e Tolkien, ou o manifesto da fantasia.


O artigo na coluna de literatura de hoje é sobre um dos maiores escritores do século XX: J. R. R. Tolkien e a sua própria visão sobre as histórias de fadas.




Hoje vou falar do escritor que deu o meu ponta-pé no mundo da literatura: John Ronal Reuel Tolkien (J. R. R. Tolkien, ou apenas Tolkien para os íntimos). Tolkien nasceu na África do Sul em 1892 e aos três anos se mudou para a Inglaterra, onde permaneceu até a sua morte em 1973. Foi professor de Filologia na Universidade de Oxford (sendo considerado um grande especialista em anglo-saxão) de 1925 até 1945 e de Literatura e Língua Inglesa de 1945 à 1959. Em 1916, recém diplomado e casado é convocado à lutar na Primeira Guerra Mundial, e é nesse período que ele começa a desenvolver a sua mais famosa obra: O Senhor dos Anéis (na verdade ele começa a desenvolver O Silmarillion, que é o gêneses do Senhor dos Anéis, mas essa obra não é tão conhecida e só seria publicada postumamente por seu filho, Christopher Tolkien. Tolkien considerava esta a sua grande e melhor obra).

Mas infelizmente (e muito infelizmente mesmo) não falarei nem d'O Silmarillion, nem d'O Hobbit e nem d'O Senhor dos Anéis (e pretendo relê-los todos!). Falarei de um ensaio publicado em 1938 (mesma época em que já começava a escrever O Senhor dos Anéis e já era famoso pelo O Hobbit) e que foi recentemente publicado (2010) no Brasil pela editora Conrad: Sobre Histórias de Fadas. Acho interessante falar desse artigo homônimo devido ao grande interesse que vem ressurgindo pela literatura fantástica (tanto pelo filme O Hobbit quanto pela monstruosa obra de George R. R. Martin, As Crônicas de Gelo e Fogo, Ou Game Of Thrones para os fãs da série, também maravilhosa - que se inserem muito bem na definição de história de fadas proposta por Tolkien).

O ensaio não é muito longo e, justamente por ser um ensaio, não tem o rigor de um artigo acadêmico, mas é um pouco difícil de ler pelos inúmeros exemplos de histórias de fadas que o autor dá, mas vou tentar explicá-lo e quem sabe dar alguma luz no universo que Tolkien criou.

O mais importante das histórias de fadas para Tolkien é que elas acontecem num reino próprio, o Belo Reino (Faërie), onde existem elfos, orcs, dragões, o sol, a lua, a terra e os homens, quando estão encantados. O termo Fairy aparece pela primeira vez referindo-se ao Belo Reino, em 1450, só se tornando um sinônimo de fada após 1600.

As narrativas sobre as aventuras dos humanos no Belo Reino é o que caracteriza as histórias de fadas. Histórias onde humanos entram em contato com o fantástico por acaso, e aonde a fantasia - a magia - nunca é satirizada, mas um dado sério e natural, que se distancia sem sair do lugar e aonde o tempo que passa não é o tempo cronológico. A origem das narrativas mitológicas é impossível de ser datada, mas Tolkien aposta em uma correlação com a criação dos adjetivos (afinal ele era um exímio linguista, chegando a dominar mais de nove línguas, e tendo criado duas línguas próprias para a sua obra, das quais se verteriam as lendas contadas). Foi a capacidade de perceber que algo pode ser alguma coisa para além da sua essência (do substantivo) que surge o fantástico e a narrativa mitológica, criando um reino de contradições, beleza e mistério únicos (como a "lua azul", um "sol verde", um "homem azul"). Este ponto é fundamental para Tolkien: a criação e a capacidade criadora do homem e a base da experiência vivida e percebida por trás da criação é a fonte das narrativas fantásticas e da arte literária.

"Fazer um Mundo Secundário dentro do qual o sol verde seja verossímel, impondo a Crença Secundária, provavelmente exigirá trabalho e reflexão, e certamente demandará uma habilidade especial, uma espécie de destreza élfica. Poucos se arriscam a uma tarefa tão difícil. Mas, quando elas são tentadas e executadas em algum grau, então temos uma rara realização da Arte: na verdade, a arte narrativa, a criação de histórias em seu modo primário e mais potente". (p. 56)

Tolkien não acreditava que criava um mundo real como o nosso, mas sim que toda grande história de fadas deve ser real em si mesma. Não é destruição ou insulto à realidade, mas um direito dos homens de recuperar a capacidade de se surpreender com o cotidiano e com a simplicidade. Uma espécie de escape à modernização e ao horror da guerra que ele viveu.¹

A história de fadas não está no plano da credibilidade - de fazer-se acreditar - mas no da "desejabilidade", em dar prazer ao conhecer e querer conhecer mais, conhecer terras distantes, reis e pessoas comuns, que não devem ser opostos ao real, mas devem ser analisados nele: desejo de vislumbrar outros mundos, não importando qual seja. É importante este ponto para Tolkien devido ao seu devoto cristianismo. A "crença secundária" da qual ele fala não deve ser confundida com a verdade expressa no Velho Testamento (realmente verdadeiras para o autor), e as narrativas mitológicas devem ser vistas como variações daquele.

As histórias de fadas são reais dentro do seu próprio mundo. Esta afirmação Tolkien levou para a sua obra. Criou línguas, mitologias, mapas, cronologia, árvores genealógicas e muitas coisas que não foram terminadas e que ainda são lançadas por seu filho mais novo Christopher. Criou tudo dentro do seu mundo próprio, O Senhor dos Anéis que, pode-se dizer, é apenas uma história e parte da sua obra.

Espero que tenham gostado. Quem quiser comentar comigo pode fazer isso por aqui ou pelo facebook. Opiniões, sugestões e críticas são sempre bem vindas!


¹ Prometi que não falaria a respeito d'O Senhor dos Anéis, mas este é um ponto que pode ter sido levantado por alguém enquanto lia: "Terá sido O Senhor dos Anéis uma grande metáfora da 2ª Guerra Mundial?". Para responder a isso eu cito Tolkien: 
"Quanto a qualquer significado oculto ou 'mensagem', na intenção do autor estes não existem. O livro não é nem alegórico e nem se refere a fatos contemporâneos. (...) O capítulo crucial, 'A sombra do passado', é uma das partes mais antigas do conto. Foi escrito muito antes do prenúncio de 1939 se tornasse uma ameaça de desastre inevitável, e desse ponto a história teria sido desenvolvida essencialmente na mesma linha, mesmo que o desastre tivesse sido evitado. Suas fontes são coisas que já estavam presentes na mente muito antes, ou em alguns casos já escritas, e pouco ou nada foi modificado pela guerra que começou em 1939 ou suas sequelas". (pp. XII - XIII)
Esta passagem pode ser lida no prefácio de O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel.

Hoje assisti um pequeno documentário em que o Tolkien fala um pouco sobre a sua própria obra. É um dos raros vídeos em que o Tolkien aparece. Achei interessante compartilhar. Esta é a primeira parte, a segunda está nos vídeos relacionados.
"In Their Own Words British Authors" Tolkien - Parte 1

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