sexta-feira, 3 de maio de 2013

O Psicopata Americano, ou a cultura revisitada pelo ralo.


Um livro horrível, genial, grotesco, repugnante, viciante.
Tudo isso e um pouco menos.
Essa é a discussão da primeira coluna de Literatura do Blog dos Feipa. Também somos cultura!



"Nada era afirmativo, a expressão 'generosidade de espírito' não se aplicava a coisa alguma, era um chavão, uma espécie de piada sem graça. O sexo é matemática. A individualidade não conta mais. O que significa inteligência? Defina a razão. Desejo - sem sentido. Intelecto não é cura. A justiça está morta. Medo, recriminação, inocência, simpatia, culpa, desperdício, fracasso, dor eram coisas, emoções, que ninguém mais sentia realmente. A reflexão não tem utilidade, o mundo não tem significado. O mal é a única coisa permanente, Deus não está vivo. Não se pode confiar no amor. Superfície, superfície, superfície era tudo em que se podia encontrar significado... isso era a civilização como eu a via, colossal e andrajosa..." (pp. 449-450).

Talvez me perguntem do porquê de estrear a coluna de Livros com uma citação tão contra tudo o que eu penso... Mas é exatamente esse o gosto que Bret Easton Ellis pode deixar na boca.

Alguns podem conhecer a história de O Psicopata Americano pelo filme homônimo protagonizado por Christian Bale e lançado em 2000. Foram modificadas algumas coisas centrais da obra literária para a cinematográfica que, apesar de muito boa, tornou a história mais suportável. Tratarei disso no final do artigo.

O livro começa com uma citação fundamental de Notas do Subsolo de Dostoiévski, onde - semelhança entre as duas obras - apesar do autor dizer que tudo não se passa de uma ficção, o mais provável é que alguém como o protagonista exista, levando em consideração as características culturais na qual a obra foi escrita, reflexo da vida. Patrick Bateman é o protagonista e narrador da obra de Ellis. De fato ele é um psico/sociopata cujas vítimas preferidas são prostitutas, mendigos negros e mulheres da alta sociedade. O livro é, em grande parte, de uma leitura desagradável e difícil, não pela capacidade narrativa do autor - que é ótima - mas pela controversa e detalhada descrição dos assassinatos, estupros, canibalismos, torturas e horrores promovidos pelo protagonista.

A obra não começa nesse horror. A primeira aparição de algo assim só ocorre lá pela página 80 (são 477 páginas na versão de bolso), e é tão rápida que deixa um gosto estranho, como se ninguém tivesse falado, mas todos tivessem ouvido - as descrições vão se tornando piores, até um ápice quase insuportável no final do livro, que, contudo, volta a diminuir nas últimas 80 páginas. Em meio a longos monólogos sobre as roupas da alta sociedade, sobre os aparelhos tecnológicos mais caros, o uso crônico de cocaína e álcool, o hedonismo e o culto ao corpo, a necessidade de ser melhor que os outros, as conversas homofóbicas, machistas, racistas e de quase qualquer preconceito que seja capaz de se pensar se dão ao mesmo tempo da revelação da superficialidade da alta classe americana, da geração da década de 80 (o livro é de 1992), das hilárias confusões que se fazem ao longo de todo o livro em relação a identidade de alguns personagens (todos são confundidos o tempo todo - são todos tão iguais que no fundo ninguém sabe realmente quem é quem. Ninguém se conhece, mas as opiniões são quase sempre as mesmas. No fundo é todo mundo um aspirante a psicopata).

No filme, contudo, há uma ponta de esperança. O filme deixa no ar uma sensação  um pouco confortável de que tudo não passa da imaginação de Patrick, de que de fato seu desvio é psicológico mas que pode não ter chegado a ser um impulso homicida concretizado. No livro não. É tudo real dentro da obra. Todo o vazio que o personagem demonstra - e tem consciência - são justificados pela cultura dos anos 80. Pelo total descaso ao sofrimento alheio, pela banalização da violência, pelo fim do sonho americano. Ao menos é o que Patrick tenta passar, mesmo que Ellis - talvez no único momento em que o autor tenta realmente transparecer sobre o personagem - tente dar um último suspiro de esperança nas últimas cinco palavras do livro.

O meu conselho, contudo, é: vejam o filme, e pensem muito se têm fôlego, ou melhor, estômago para o livro.

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